Tudo que escrevo parece ser uma colcha de retalhos. Junta-se uns pedaços amarelos aqui, outros azuis acolá, e um fio tênue que une a todos eles e conduz a minha escrita que se marca na presença e materialização daquilo que sou. Mas aquilo que sou, sou por eu mesmo, ou há muito da influência de meus pais, meus antepassados? A vida que vivo na minha casinha, na minha cidadezinha, no meu trabalho, cercado pelos amigos – covardes ou não – que tenho, que não apontam o dedo para mim e dizem, pare com isso, seja você mesmo!

Já dizia a poetisa Cecília Meireles que “a vida só é possível reinventada”. Mas o que é preciso para se jogar a essa reinvenção? Estou sempre em cima do muro que não consigo dar o primeiro passo para me reinventar? Quanto me custará esse reinventar-se? O que ele traz de bom e qual o preço que tenho que pagar? A verdade é que a mim cabe fazer apenas a parte que me cabe. Mas como é difícil às vezes fazê-la. Como é difícil dar o primeiro passo, ou vários outros de uma sequência para concretizar algo de bom.

Podemos pedir a ajuda, podemos ter sim a influência, como dito, dos antepassados, do lugar que vivo, das minhas escolhas em consonância com o contexto que vivo, mas, no fundo, a centelha da alma, o fundo vívido que mora em mim só eu mesmo posso despertar. Só eu posso dar sentido ao calor abrasador dos meus desejos e cabe a mim, apenas, o julgamento de realizá-los ou não. Julgamento este que é feito sempre com uma espada bem afiada sobre a cabeça. E por quê? Porque olhos atentos nos espreitam e essa visão faísca e esfumaça os olhos verdadeiros de nossa alma: dá pra viver o desejo, dentro de um senso de moralidade? Percebe-se através da atitude de muitos que sim. Viver o desejo não é deixar a solta todas as paixões, mas é tentar ser autêntico. Primeiro passo foi dado!

Sem alongar muito, porém é necessário passar em escuta a identidade do ser, a vida em família, o exercício da sexualidade, a fé e religiosidade, o profissionalismo e a vida social. Como faço a parte que me cabe em cada um desses departamentos que configura o ser que sou? Vamos lá?

Identidade do ser: é preciso perceber que ser quem você é não é abrir mão totalmente da opinião alheia. As opiniões da família e dos amigos podem contribuir sim, mas nem tudo precisa ser aceito. Vivemos em pluralidade e diversidade. Talvez o século XXI é um século dos conflitos mentais e existenciais, porque temos um cardápio muito grande. Passamos por diversas revoluções e vários padrões solidificados até então estão por aí se derretendo. O principal deles é o casamento. Olhe a sua volta e veja quantas pessoas divorciadas em pequeno espaço de metros cúbicos você encontra. Aliás hoje separa-se mais do que se casa. Ou casa-se muito, mas se separa muito mais. Então a hora é de tecer uma identidade flexível. Pois ficar nessa rigidez estrutural não vai ajudar em nada.

Vida em família: tem muitos pontos positivos. A família é o alicerce do ser. Mas não é porque vivo em família que tenho que ser totalmente dependente dela. É preciso abrir brechas e possibilidades, trabalho constante na conquista da autonomia. Ser independente sendo ainda dependente é um tanto difícil. Ter a mãe para lavar suas roupas e preparar-lhe o café da manhã e o almoço nos deixa acostumados e passamos a pensar que temos que ser concordantes em todos os pensamentos de nossa família. Não, não. Lá no item de cima você construiu a identidade do ser, que é flexível, ela não precisa ser uma fotocópia da sua família. Você pode aceitá-la e ter a sua própria cópia, autêntica e original.

Exercício da sexualidade: muitos sofrem, poucos vivem o autêntico desejo. E viver a sexualidade não é ter uma prática sexual desenfreada, mas é saber dar vazão a sentimentos e emoções e construir a afetividade e o sexo de forma que possa ser sem amarras e que traga realmente prazer. O prazer é ainda massificado. É ainda muito comercial de margarina inculcando suas ideologias em nós. Como viver um bom exercício da sexualidade? Vivendo-a. Buscando-a! Cuidado-se para diminuir as dores e consequência.

Fé e religiosidade: muitos têm fé, poucos têm religião. E muitos têm religião, falam muito de fé e vivem pouco a fé. Essa relação precisa ser exercitada de forma concreta. Fala-se muito de fé, mas como vivê-la em sua autenticidade? Vejo que nos pequenos atos. Sem obrigatoriedade. As igrejas estão se esvaziando, ou quando estão lotadas, estão lotadas de pessoas que cumprem ritos sem ao menos questioná-los, porque prezam pela obrigatoriedade, pela regra. Cadê a flexibilidade da fé? O amor é transparente, límpido e livre. Quando vive-se a fé por obrigação, o amor se torna turvo.

Profissionalismo: o medo de ousar é o fator que mais nos aprisiona na profissão e nos faz não fazer a parte que nos cabe. Estou bem onde estou, mas bastante incomodado. Sinal alerta ligado, porque esse incômodo é a necessidade de buscar algo melhor. E talvez para profissionalizar-se em outra vertente e estar com um trabalho que lhe dê plenitude tanto de salário, quanto de aspectos pessoais se faz por meio de ações simples, mas concretas e que busquem ações práticas. Já tirou da gaveta e do papel aquela velha ideia que pode lhe render bons tostões?

Vida social: tudo isso que falamos em cima só faz sentido na sua aplicação em nossa vida em sociedade e em nossos grupos sociais: amigos, família, colegas de trabalho. Viver a sociabilidade é o lugar mais evidente de que precisamos apenas fazer a parte que nos cabe e nos colocar no lugar do outro, isso é chamado de exercício da alteridade. É preciso colocar no lugar do outro e entender que a parte que nos cabe não cabe a outrem e que precisamos unir as partes feitas por cada um para que tenhamos êxito.

No finalizar de uma escrita, ficam muitos outros pormenores para trás. Porém, é preciso dizer e começar a pensar em questões nunca dantes visitadas. Tocar em feridas que antes nos causava repulsa e vertigem e começar a abrir para um novo medo de pensar. Quando lhe vier as dúvidas e a dificuldade em enfrentar os desafios da vida, pense que só cabe a você fazer a parte que lhe cabe, mais nada!